Na coluna anterior, discutimos sobre o que os indicadores de áreas verdes podem nos dizer sobre as cidades. Para complementar essa narrativa, neste texto trazemos os resultados de uma pesquisa que avalia o quão próxima a vegetação urbana está em relação às maiores concentrações de residências e locais de trabalho nas capitais brasileiras, e o que isso significa. O indicador produzido nessa análise – cujos resultados estão disponíveis na página de indicadores do Instituto Cidades Responsivas – visa avaliar, mesmo que indiretamente, a presença de áreas permeáveis que contribuem para a drenagem de áreas centrais das cidades, para evitar o surgimento de ilhas de calor e para absorver parte da poluição gerada pelas atividades dos arredores.
Esse indicador é baseado no NDVI (Normalized Difference Vegetation Index) – índice obtido a partir de dados de satélites e que estima a densidade de vegetação existente no território. Em nossa pesquisa, ele é contabilizado para o entorno de cada endereço que consta no Cadastro Nacional de Endereços para Fins Estatísticos de 2022, publicado recentemente pelo IBGE. O valor final do indicador é a média dessas contabilizações para todos os endereços de uma cidade, de modo que os recortes espaciais “verdes” que estão próximos às zonas de maior densidade urbana contabilizam um valor maior no resultado do que os recortes verdes que encontram-se mais distantes.
A elaboração de métricas seguindo essa lógica não é novidade. Além dos exemplos mostrados na coluna anterior, pode-se citar também o trabalho da pesquisadora Kshama Gupta, que propôs indicadores ponderando a presença de vegetação em relação à intensidade da ocupação urbana, ou ainda o artigo de Alex Martinez e S.M. Labib, que detalha o significado dos resultados numéricos do NDVI para políticas públicas. Ainda assim, é interessante visualizar os resultados desse tipo de contabilização para o contexto brasileiro, frente aos dados mais recentes acerca do tema.
A tabela abaixo mostra os valores calculados seguindo o método explicado acima, para dados coletados em março deste ano. Quanto mais próximo de 1,0, maior é a quantidade de vegetação junto às principais concentrações urbanas da cidade.
Tais resultados são melhor compreendidos por meio de mapas que representam a correlação entre o NDVI médio com a quantidade de endereços. As figuras abaixo ilustram tal análise para Florianópolis e Palmas. Neles, a cor amarela representa áreas com maiores valores de NDVI – e, consequentemente, mais vegetação – enquanto que o azul indica pontos com valores menores. Já a altura de cada barra representa a quantidade de endereços registrados no local. Sendo assim, visto que nas figuras as barras mais altas possuem cores relativamente próximas do verde – que representa valores intermediários – há um indicativo de relativa proximidade entre áreas com vegetação e as zonas mais densificadas.
Por outro lado, observando os diagramas de Manaus e Porto Velho – ilustrados abaixo – nota-se que neles as barras mais altas possuem cores mais escuras, enquanto que as barras de cores mais claras possuem altura quase nula. Isso indica uma reduzida quantidade de vegetação em áreas de maior ocupação e da presença de maiores densidades vegetadas em áreas menos povoadas.
Tendo em vista essa contextualização do quão “verde” são as áreas mais densificadas, poderia-se utilizar o indicador como referência para o monitoramento das estratégias urbanísticas das cidades brasileiras, associando seus resultados a possíveis ações da administração pública. Por exemplo, cidades com valores baixos do indicador poderiam alterar esse cenário por meio do aumento da arborização viária, do estabelecimento de novos parques e praças, do incentivo para a inserção de áreas permeáveis em empreendimentos privados ou do aumento de densidades em zonas próximas a áreas verdes.
Em conjunto com os indicadores de habitação e trabalho, apresentados anteriormente, esse indicador da proximidade entre a vegetação e a população amplia a abrangência temática dos instrumentos de monitoramento do desempenho urbano que podem fundamentar a discussão acerca de instrumentos de planejamento. O objetivo é, nas próximas colunas, complementar esse repertório com métricas referentes a outros temas relevantes para o desenvolvimento das cidades.
Guilherme Dalcin & Luciana Fonseca
Publicado originalmente na Coluna do Instituto Millenium na Revista Exame
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