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Medindo a ineficiência das capitais brasileiras utilizando dados sobre trabalho



Dados sobre postos de emprego formal são alguns dos mais atualizados e detalhados disponíveis no Brasil devido à divulgação periódica de dois levantamentos do Ministério do Trabalho e Emprego: a Relação Anual de Informações Sociais (RAIS), que fornece anualmente dados geolocalizados sobre as empresas e os vínculos de emprego ativos, e o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (CAGED), que publica mensalmente as admissões e demissões ocorridas no mercado de trabalho formal. Tais dados são complementados pela Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), realizada pelo IBGE, que estima trimestralmente os rendimentos da população, bem como as taxas de ocupação e informalidade. 


Esse conjunto de dados permite que se trace um panorama detalhado do estado do mercado de trabalho. Nesse sentido, há relatórios e publicações divulgados periodicamente que analisam os aspectos socioeconômicos desses dados. Os relatórios do IPEA, por exemplo, buscam esclarecer o que cada nova publicação do PNAD e do CAGED indicam sobre o mercado de trabalho, enquanto que as publicações da PUC-RS em conjunto com o Observatório das Metrópoles descrevem o que pode se observar sobre a desigualdade de renda no país de acordo com os dados da PNAD.  


Além de tais análises, recentemente foi publicado pelo Instituto Cidades Responsivas o cálculo de um indicador que mede a diferença entre a quantidade de vínculos de emprego existentes nas capitais do país e o número de habitantes que encontram-se ocupados no mercado formal de trabalho. Essa métrica parte da hipótese de que, se há mais vínculos do que pessoas empregadas em uma cidade, então possivelmente esses postos de trabalho “adicionais” estão sendo ocupados por residentes de outras localidades. Esse número de indivíduos que decide por residir em uma cidade diferente do seu local de trabalho poderia servir como uma estimativa do quanto um município “perde” em população devido a suas ineficiências, tais como moradias muito caras, sistema de transporte precário ou falta de infraestrutura. 


Os resultados desse indicador revelam que as capitais brasileiras possuem tendências bem distintas: enquanto Vitória e Recife, por exemplo, apresentam altos percentuais - indicando uma grande participação de residentes de cidades vizinhas em seu mercado de trabalho - Campo Grande e Macapá têm resultados negativos, indicando que elas tendem a fornecer mais mão de obra para os municípios do entorno, do que o contrário. 



O significado desses resultados fica mais claro ao correlacionarmos eles com o indicador de acesso habitacional que mede o quão caras são as moradias das cidades em relação à renda de sua população, discutido previamente em coluna do Instituto Millenium na Exame. Essa análise comparativa é ilustrada no gráfico abaixo, no qual o eixo horizontal contém os valores do indicador de trabalho, enquanto o vertical se refere aos resultados do acesso habitacional em que, quanto maior o valor, mais caros são os imóveis residenciais. 



Essa correlação mostra a tendência de que as capitais com moradias mais baratas também são aquelas com os menores valores do indicador de trabalho, consequentemente tendo menos vínculos de trabalho ocupados por habitantes de outras cidades. Enquanto que as cidades com habitações mais caras apresentaram maiores percentuais de postos de emprego possivelmente ocupados por habitantes de municípios vizinhos. Tais resultados são um primeiro indicativo de que, de fato, quanto maior a ineficiência da cidade em cumprir as necessidades da população - nesse caso, fornecer habitações com preços compatíveis com os níveis de renda local - maior o número de pessoas que, mesmo sem mudar de emprego, buscam moradias em outros locais com custos mais baixos. 


A correlação também permite que se visualize o efeito que o contexto geográfico dos municípios tem em seu mercado de trabalho: os valores do gráfico que mais contrariam a tendência geral citada no parágrafo anterior são os de Maceió e Vitória, dois casos “extremos” em questão de relação com os municípios de seu entorno. Maceió possui cerca de 72% da população de sua região metropolitana conforme os dados do Censo de 2022 - o maior percentual do país - o que pode indicar a tendência das pessoas serem menos atraídas a deixar de habitar a capital devido à quantidade reduzida de serviços e oportunidades existentes nas cidades menores da vizinhança. Talvez por isso o indicador de trabalho de outras cidades em situação similar de composição da região metropolitana - Manaus, Cuiabá e Teresina - tende a também ser baixo mesmo que o valor das moradias seja elevado. 

 

Uma consequência desse fenômeno pode ser que a população tenha que recorrer à habitação informal para fugir dos altos custos de moradias sem precisar mudar de cidade, o que pode ser visualizado na quantidade de domicílios localizados em comunidades urbanas e favelas conforme pesquisa do IBGE de 2019: Manaus possuía 53,38% de informalidade naquele ano; Maceió possuía 17,32% e Teresina, 19,54%. Outra possibilidade é que essas cidades de fato possuam vagas de trabalho ocupadas por pessoa de outras cidades, mas que elas estejam concentradas no mercado informal: enquanto, Manaus, Maceió e Teresina estão entre as 7 cidades com maior taxa de informalidade no trabalho, Cuiabá possui a maior taxa dentre as cidades do Sul, Sudeste e Centro-Oeste, conforme a pesquisa mais recente da PNAD publicada pelo IBGE. 


Por outro lado, Vitória é a capital com o menor percentual da população de sua região metropolitana. Isso pode ser uma das razões dela possuir valor do indicador de trabalho significativamente acima do esperado tendo em vista seu custo habitacional mediano. Apesar de ser a capital do Espírito Santo, ela é apenas a quarta maior população do estado, sendo superada pelas cidades de Vila Velha e Cariacica - que estão em sua vizinhança imediata - e também por Serra, localizada a 35 minutos de viagem. Uma vez que seu status político e turístico tende a gerar movimentação econômica - e, consequentemente, empregos - estes acabam não sendo, em sua totalidade, ocupados pela população local, de modo que as oportunidades acabam sendo absorvidas pelos habitantes da vizinhança. 


Retornando ao que mencionamos na coluna anterior, o contínuo monitoramento do funcionamento de nossas cidades é importante para que se possa entender melhor as tendências populacionais em curso e o efeito das propostas de planejamento urbano, bem como estimar a eficiência das políticas praticadas pela administração pública. A discussão deste artigo é mais um exemplo do debate que poderia ser comum caso a administração pública passasse a valer-se de indicadores capazes de avaliar objetivamente as estratégias traçadas para o desenvolvimento urbano.

 

Guilherme Dalcin & Luciana Fonseca


Publicado originalmente na Coluna do Instituto Millenium na Revista Exame




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