“Se Deus está em todos os lugares, então com qual velocidade Ele se move?”. Assim inicia a palestra do pesquisador Antonio Páez. “Entretanto, o ser humano só é capaz de estar em um único lugar a cada instante, de modo que a sequência de lugares percorridos revela muito sobre suas ações na cidade”.
Partindo de tal ideia, Páez apresenta trabalhos – também listados no artigo Hägerstrand meets big data – que analisaram a mobilidade urbana sob a luz de técnicas modernas de análise de dados. Eles mostram que, mesmo com a tecnologia possibilitando uma enorme coleta de informações sobre a movimentação da população, tais dados possuem pouca utilidade caso não sejam contextualizados: saber que dez pessoas estiveram em um local se torna mais esclarecedor se conhecemos a razão delas terem estado ali ou conseguirmos identificar características como sua idade, gênero e classe social.
Essa contextualização dos caminhos percorridos é o tema principal da Geografia Temporal, área que vem recentemente acumulando uma grande produção científica. Um exemplo é o trabalho Using bundling to visualize multivariate urban mobility structure patterns, desenvolvido por uma equipe da UNESP. Nele, são utilizados dados da pesquisa de Origem e Destino de São Paulo para descrever os padrões de mobilidade da população conforme suas características socioeconômicas.
Tal análise mostra, por exemplo, que jovens de baixa renda realizam viagens curtas para fins de ensino – provavelmente por estarem restritos às escolas perto de suas casas – enquanto jovens de alta renda percorrem distâncias maiores, possivelmente por possuírem maior poder de escolha quanto à instituição de ensino.
Análises similares podem ser realizadas com dados de outras fontes, como mostra o artigo Human mobility and socioeconomic datasets of the Rio de Janeiro metropolitan area. Os autores utilizaram dados sobre a localização das antenas telefônicas a que cada celular se aproximou, transformando essas informações em padrões de movimentação.
Verificando onde um dispositivo está à noite, infere-se o local de residência da pessoa; enquanto que a mesma operação para o período do dia indica o local de trabalho. Correlacionando tais localizações aos dados do Censo, pode-se estimar os pontos mais frequentados pelos indivíduos de cada estrato de renda, onde eles interagem ou onde permanecem segregados.
Os dados de ambas as pesquisas são anonimizados, fornecendo apenas características que não identificam quem percorreu cada caminho. Desse modo, sem invadir a privacidade da população, as informações extraídas podem servir para a administração pública fundamentar decisões sobre mobilidade urbana e para que a iniciativa privada possa compreender as áreas da cidade mais compatíveis com seus objetivos.
Entretanto, apesar do potencial da Geografia Temporal de nos ser útil, há uma escassez de dados para fundamentar análises sobre o tema. Os exemplos citados acima são baseados em duas exceções: a base de dados de Origem e Destino existe em poucas cidades brasileiras, assim como os dados de celulares não são abertamente divulgados.
Infelizmente, os trabalhos que tentam entender a geografia do tempo no Brasil ainda dependem de certos malabarismos, tornando tão difícil entender a “velocidade” das pessoas, quanto a velocidade de Deus.
Coluna de autoria de Guilherme Dalcin.
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